Em 19 de novembro de 2020, estava eu mais uma vez me lamentando para mim mesma sobre não ter recebido do fotógrafo contratado as minhas fotografias de 15 anos. Um lamento que eu sabia que precisava ressignificar já há alguns anos, e que tinha sido reacendido quando eu reencontrei o tal fotógrafo num evento em 2015.
Minha festa de quinze anos foi feita de forma privilegiada, num restaurante, com vestido caríssimo - que minha tia me deu e que eu usei apenas naquele dia, com filmagem e fotografia, as quais se tornaram ficção por jamais terem sido entregues a minha mãe que foi quem contratou o serviço.
Ainda no ano da festa, anos 2000, ele levou um positivo das fotografias (revelação em miniatura das fotos) para que escolhêssemos quais deveriam ser reveladas. Não lembro quantas vezes minha mãe ligou cobrando ele, mas por alguns anos ela manteve uma frequência nas cobranças e ele prometia entregar mas não cumpria.
O meu reencontro com o tal fotógrafo que "perdeu" a filmagem e os negativos da minha festa de 15 anos se deu, exatamente 15 anos após, foi uma surpresa e senti uma imensa vergonha em ainda precisar cobrá-lo, senti também, equivocadamente inclusive, como se eu ou minha mãe tivéssemos culpa. Não tinha porque ter vergonha nem culpa, mas eu levei um tempo para processar isso.
Entre 2015 e 2017 segui reencontrando o tal fotógrafo anualmente no mesmo evento, e ele foi capaz de me dizer que havia localizado um dos negativos, o que me deu falsas esperanças.
Cansada, e munida da inspiração de ter visto um documentário no qual a diretora havia reavisto após décadas os negativos do filme que ela havia gravado na adolescência, que haviam sido privados a ela pelo produtor do filme. Mandei uma mensagem desaforada para o tal fotógrafo, expressando o meu sofrimento pela primeira vez e emanando o desejo de transformar esta frustração em coisa boa (secretamente desejava que fosse inspiração para um filme ou coisa assim).
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Havia esquecimento, não passava o tempo todo pensando na filmagem e nas imagens que não tinha recebido dos meus 15 anos. Mas havia gatilhos que me faziam lembrar, e havia a consciência de que o que me restava era não esquecer porque essa era uma forma de não apagar mais ainda aquela memória já esmaecida, assim como também fazia parte do meu processo de aprendizado e da minha busca por ressignificar a frustração.
Ressignificando negativas
Desejava acreditar que poderia fazer um filme sobre aquela frustração, mas não tinha muita fé que conseguiria fazer isso sem reaver qualquer fotografia ou material da minha festa de 15 anos porque estava presa num desejo de representação objetiva, numa necessidade de resgate.
Nas minhas férias em 2020, no meio da pandemia de Covid-19, ensaiei filmar a mim mesma, e também uma conversa com minha mãe sobre a minha festa de 15 anos, e empaquei. Contudo, naquele novembro, além do lamento, também fui visitada pela compreensão de que qualquer negativo de filme fotográfico 35mm poderia representar os negativos das fotografias da minha festa de 15 anos.
Pode parecer algo óbvio e tolo, sim, negativos se relacionam com negativos, no entanto, para mim foi extraordinário. Já havia fotografado uma película de 35mm, quando ganhei uma de presente há muitos anos atrás, mas jamais havia fotografado negativos.
Apesar de ter me entusiasmado ainda procrastinei um pouco, e foi no impulso de romper com a procrastinação que no dia 31 de dezembro de 2020 fiz inúmeras fotografias contínuas que poderiam ter sido apenas um ensaio ou experimento, mas como eu sabia que corria o risco de procrastinar mais, preferi fazer e manter a construção de um filme de animação de stop motion a partir do que consegui produzir de improviso naquele momento.
Estava muito comprometida com a procrastinação, e acredito que ainda tendo a fazer isso na hora de construir os meus filmes. Acredito que após protelar mais um pouco, montei o primeiro e único corte de "Negativo" em março de 2021.
Acredito que eu já havia terminado a montagem do filme quando cogitei que podia reunir aquelas mesmas fotografias que usei para animá-lo como um ensaio fotográfico que denominei "Negativas", composto por 12 fotografias, algo que me foi provocado ao encontrar uma convocatória para publicação de um ensaio fotográfico num fotolivro coletivo.
Acesse o ensaio "Negativas" aqui
Você sabe desapegar de negativas?
Eu sabia que eu sabia, mas que eu também não sabia, rs
Meu ensaio "Nagativas" não foi selecionado, e foi doloroso para mim lidar com isso. Embora fosse capaz de entender que aquela negativa não deveria diminuir o valor do meu trabalho, hoje eu sei que é preciso mais do que entender.
A dor que eu senti veio da vergonha que eu embarquei por não encontrar o reconhecimento que eu procurei. E é natural sentir vergonha, e pode ser tranquilo sentir ela e processá-la. Mas além de ter processado apenas superficialmente aquela vergonha que eu senti, eu ainda estava muito presa a minha impostora e também refém da minha insegurança, por ter o mau hábito de ficar me comparando com as outras pessoas.
O que eu aprendi com o trabalho da Brené Brown (que talvez você já tenha me visto falar sobre aqui em outras postagens) foi que a principal ferramenta na busca por desenvolver a resiliência à vergonha é identificar alguém que me dê empatia e falar sobre a vergonha que eu senti. (Na medida que eu pude, pratiquei isso naquela época.)
Aprendi, entre tantas outras coisas com o trabalho de Brown, a fortalecer o meu autoconhecimento, e a me libertar da necessidade de ser reconhecida, a combater a minha impostora, a ressignificar a prática da comparação como ferramenta de sobrevivência, e não como medida do que sou ou do valor que eu devo me dar, e a desconstruir narrativas pessoais que fortaleciam a minha insegurança.
Foi inspirada no que estava aprendendo com as leituras dos livros de Brown que em dezembro de 2021, escrevi sobre a vergonha que senti ao ver que o meu filme "Negativo" não havia sido selecionado na 12ª Mostra Sururu de Cinema Alagoano (Da escolha de não silenciar a vergonha). Fato que mais uma vez me impactou porque eu ainda estava medindo o valor das minhas criações a partir do reconhecimento externo.
No entanto, ao contrário do que fiz com "Negativas" que eu deixei guardado e esquecido, tenho buscado seguir escrevendo "Negativo" em mostras e festivais quando sinto vontade, por mais que ainda venha uma impostora me dizer que meu filme seguirá sendo invisibilizado.
E apesar da minha impostora me atrapalhar ainda quando eu encontro coragem de me colocar à mercê do reconhecimento externo, tenho me sentido mais disposta a reconhecer o meu valor, como também de falar, escrever e compartilhar o que sinto e crio, o que me fez vir escrever este texto e compartilhar o ensaio "Negativas" no Facebook e Instagram da La Refletida.
Receber negativas e não deixar elas me desanimarem, nem que me façam acreditar que o meu trabalho merece ser invisibilizado segue sendo o desafio. Em particular, como "Negativas" e "Negativo" são respostas minhas inspiradas numa vivência que me frustrou, preciso me lembrar de não somatizar as frustrações também.
Estou aprendendo a me lembrar que o principal reconhecimento é o meu, e assim conseguir ter coragem para lidar com os gatilhos que venham a sugerir que o meu trabalho é menor ou de que está inacabado, visto que não há como evitar que as pessoas vejam o que eu faço da forma delas, mas que ao mesmo tempo eu preciso discernir e não valorizar o que me machuca e desestimula.
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