Como não se resumir aos seus erros? Confesso que é mais fácil responder a essa pergunta na teoria, e principalmente se a pessoa não estiver lidando com as consequência de um erro recente (o que não é o meu caso). E reconheço que não há uma única resposta para essa questão, assim como corroboro com outras vozes que já me ensinaram e ensinam que é preciso ter responsabilidade sobre as nossas ações, e isso não se resume a assumir os erros e pedir desculpas.
Sei que quando eu erro, principalmente em público eu posso estar fazendo um desserviço e corroborando com exemplos que eu luto para desconstruir e não desejo seguir. E que ao me desculpar no momento e o quanto for necessário, eu estou fazendo apenas o mínimo. Portanto, procuro também me abrir e me manter aberta a entender como eu posso aprender quando eu erro.
É doloroso assumir em qualquer medida que erramos, mais ainda se faltar autocompaixão e compaixão em geral. Principalmente porque vivemos numa sociedade punitivista, e há mais estímulos para nos blindarmos e não enxergarmos nossos erros, do que para que nos permitamos a considerá-los possíveis de serem praticados por nós, e acolhidos por nós e pelas outras pessoas.
Apesar de me lembrar e de ser lembrada quase cotidianamente que eu erro, eu também consigo me blindar e custar a enxergar que estou errando (que foi o caso). E foi assim que eu tive a atitude de interromper repetidas vezes a apresentação de uma pesquisa num evento recente que participei na minha cidade. Custei a me dar conta que estava errando e incomodando. Fiquei também sem condições de me desculpar no momento, mas procurei ao final parte das pessoas que estavam na apresentação e me desculpei. E seguirei me desculpando. (Caso você tenha estado presente naquele momento, eu também lhe devo desculpas por ter interrompido o fluxo da apresentação da pesquisa.)
Dando sequência ao processo de me responsabilizar pelos meus erros, identifico duas instâncias/etapas a pessoal, que implica em como errar adiciona ao meu processo de autoconhecimento, e a pública que implica no compromisso de aprender a não repetir o erro e que se possível permitir que ele me guie a reparar o que eu provoquei e/ou me impulsione/guie a somar/construir.
Como aprendi que não posso cuidar das outras pessoas se eu não estiver bem. Então eu busco me lembrar que o que me cabe primeiro é cuidar de mim. E o primeiro passo nesse caminho é dar espaço para os meus erros e me dar autocompaixão (principalmente quando se negarem a me dar). Também nesse primeiro passo cabe buscar reconhecer a vergonha que senti ao me dar conta que errei - que continuará sendo alimentada no processo de responsabilização do erro. Vergonha que eu aprendi a desenvolver resiliência usando como ferramenta a minha percepção para identificar quem me dá empatia e me acolhe se eu acerto ou erro, e me conectando para falar sobre a vivência, como eu me senti, encarando e assumindo que foi constrangedor para mim e para as outras pessoas também.
Outra ferramenta preciosa para o meu autocuidado é ler livros, seja os que me impulsionam a me cuidar e investigar os meus sentimentos, ou no caso específico ler o “Pequeno Manual Antirracista” de Djamila Ribeiro e me dispor a me debruçar sobre ele e estudá-lo.
Outra camada nesse processo é silenciar a impostora, o que se torna ainda mais difícil após errar (e ainda mais quando somos julgadas ou ao imaginar o quanto podem estar nos julgando). Diria até que eu ainda preciso aprender a “silenciar” a minha - porque a bichinha fala viu. Na prática de fato o que eu consigo fazer é me lembrar que eu sou digna, que eu sou capaz, que errar é uma parte da minha vivência humana, que os meus erros não me resumem e nem me definem, que eu não mereço ser desmerecida porque errei e nem julgada, resumida ou invisibilizada.
Quando eu escrevo assim, pode até soar que é simples, ou até mesmo parecer que eu sou forte, ou que eu sempre fui assim. Não é simples, eu tenho força, mas isso não apaga o quando eu sou emotiva e sinto dor, e eu não fui sempre assim.
Abro aqui um parêntese para reconhecer que eu trabalhei e trabalho para c****** para fortalecer a minha autoestima, e ainda estou no processo de aprender que a minha autoestima não é a minha prioridade e sim a autocompaixão. Na prática isso implica que não é sobre ser forte ou provar o quanto eu sou forte, é sobre dar espaço para forças e vulnerabilidades, acolher a mim e as outras pessoas.
Parte também do processo de encarar e dialogar com a minha impostora, implica também em não dar força aos julgamentos das outras pessoas, custei a aprender que não é saudável dar espaço a qualquer crítica, e como saber se é uma crítica mais destrutiva do que construtiva, um indicativo é observar se aquilo que está sendo dito é dito com objetivo de construir contigo ou não; se você está sendo reconhecida como uma pessoa aliada ou como uma pessoa qualquer. Observar também se há espaço para diálogo, pela forma como a sua resposta a crítica for recebida, até mesmo se há espaço para a resposta que você quiser oferecer.
Sigo sendo uma pessoa muito crítica, mas ainda preciso aprender muito a diferença entre crítica e feedback, assim como preciso ainda aprender a acolher qualquer diálogo que seja provocado pelas minhas ações, desde que ele não me desmereça, que de fato dê sinais de escuta e acolhimento, não me diminua ou oprima.
Sou uma pessoa capaz de diminuir ou oprimir como qualquer outra, ainda mais porque sou uma mulher branca privilegiada, e busco aprender cotidianamente sobre o que me machuca e machuca as outras pessoas justamente para evitar quando possível ser invasiva e descuidada. E também estar atenta e na escuta para considerar e me frear a qualquer sinal de que eu esteja passando dos limites das outras pessoas.
Contudo, isso não me impediu de ser invasiva, intransigente e descuidada no meu erro público recente. E diante do acontecido eu precisei me lembrar, e também venho aqui para lembrar a quem mais precisar que eu não sou os meus erros. Reforço também para mim mesma que eu não preciso provar isso para mais ninguém, apenas para mim mesma.
E de fato eu não vim aqui provar para ninguém, vim aqui fazer uso de mais uma ferramenta de autoconhecimento que é escrever, que poderia ser só para mim, contudo dentro do caminho que eu já construí e que eu desejo continuar construindo, o compartilhamento é um investimento em mim mesma e além de mim.
Quando você para e considera a facilidade com que você é julgade e resumide, como você se sente? Eu me sinto derrotada, mais do que pelas outras pessoas até, derrotada por mim mesma. Então para chegar na instância pública, que eu posso considerar alcançar mesmo quando não cometer um erro público, muitas vezes chego derrotista, mas chego, quando consigo. Mas também posso chegar lá esperançosa, porque eu não sou só uma coisa.
Perceber que as pessoas persistem, buscam se superar e realizar coisas que não sejam para elas mesmas, me faz ver esperança, em meio as derrotas. Mesmo que no caminho, durante e depois as pessoas reclamem e tenham posturas que podem ser resumidas como “derrotistas”, não é justo resumir quem se dedica e quem busca trabalhar por conta própria (ou não) para fazer ações além de si, a qualquer coisa que resuma as nuances do que é feito e vivido.
O fato é que com ou sem julgamento, ou com ou sem derrota, eu sigo escutando as vozes externas e a minha voz interna que me impulsionam a persistir, por mim mesma, porque eu sei hoje, mais que antes, o que eu sou capaz, e que se eu não falar, fizer, não tem quem fale ou faça por mim, ou como só eu faço e posso fazer.
É natural ter medo após um erro (público ou não) de dar um próximo passo, e errar de novo, pois não há garantias de que aprendemos, muito menos de que não erraremos de novo. Cabe entender o seu tempo, assim como o que funciona para você. Entre as ações e ferramentas que identifico e uso para me fortalecer e me responsabilizar publicamente estão algumas que já mencionei, que menciono a seguir e que eu posso ainda vir a conhecer. Reconhecer o erro repetidamente; escolher lembrar do erro, se não for muito doloroso; observar a si mesma; observar e estar atenta para não interromper ou interferir de forma inconveniente e incomoda; procurar a opinião de pessoas que sejam compassivas e dispostas a dar feedbacks quando estiver insegura sobre alguma atitude, ideia ou proposta; buscar persistir pesquisando e estudando; caso haja ou identifique uma forma ou várias de reparação, se disponibilizar a reparar; refletir sobre como pode colaborar coletivamente, e se propor a colaborar.