Pode ser que nunca tenham me dito: "hidrocor (ou caneta colorida) é coisa de criança", mas também pode ser que tenham. Carreguei essa impressão/afirmação comigo até meus 36 anos quando dela me libertei para (re)encontrar a minha artista, uma das quais eu mais neguei, a ilustradora.
Negar a minha artista foi o que mais fui ensinada e me auto ensinei, por medo, vergonha, frustração e síndrome da impostora. Quis ser instrumentista, dançar, cantar. Mas onde primeiro me senti capaz foi na ilustração como muitas crianças, mas me convenci ao me comparar com outras crianças que ilustravam com mais desenvoltura e detalhes de que jamais seria ilustradora, a ponto de esquecer que ela habitava em mim.
Na adolescência me senti capaz de criar poesias, poemas, contos, letras de música, mas também acabei me convencendo de que não era boa o suficiente para ser escritora. Ao ingressar na faculdade e ter contato com câmeras digitais quis acreditar que podia ser fotógrafa, poderia facilmente ter me convencido que também fotógrafa não podia ser, mas como eu não conseguia deixar de fotografar (entre a paixão e o vício), tive pela primeira vez que criar coragem para reconhecer uma de minhas artistas e me proclamar fotógrafa - mesmo me encolhendo ao fazê-lo e temendo constantemente ser desmascarada. A fotógrafa também empoderou a diretora audiovisual, que morria de medo de se reconhecer como qualquer uma desses cargos.
Não era viável ser artista, ao ousar cogitar ser uma das minhas artistas logo me perguntariam como eu iria me sustentar, e diante do insuportável constrangimento de não poder pagar as contas com imagens fixas ou em movimento, a avassaladora vergonha silenciava as minhas artistas/artes, e eu escondia até de mim mesma que era artista, e reduzia as minhas criações a esboços.
Até que eu me permiti criar uma comunidade fotográfica no Facebook (Diário Refletido, 2014), e me provei sem querer que era capaz de persistir na minha relação com a arte. Dessa persistência eu colhi, alegrias e frustrações. A alegria de poder me declarar apaixonada por fotografar reflexos, de construir um acervo com uma década de fotografias, de construir inúmeras propostas de fotolivros, ensaios e uma única de exposição. De me permitir ser fotógrafa independente de não cumprir as exigências para excelência segundo o mercado ou os padrões profissionais.
Já entre as frustrações colhidas, eu me senti incansavelmente ignorada, e esperei demais por reconhecimentos externos (mais do que seria saudável inclusive). Perdi muito tempo com dificuldade de digerir algumas negativas que recebi, principalmente a da única vez que submeti uma proposta de exposição. Aos poucos fui buscando acreditar que eu era capaz de responder as negativas de forma mais construtiva, compreendendo que me cabia visibilizar o que estava sendo invisibilizado pelas pessoas que não me escolhiam, aprovavam ou convidavam.
Não deixou de ser doloroso procurar oportunidades e não obtê-las, mas aprendi que para processar essas dores o quanto é precioso dar espaço a tristeza e ao luto que aflora quando as minhas expectativas não são atendidas; também a me (re)ensinar sempre que necessário que o meu valor não pode ser medido pelo reconhecimento ou pela ausência de reconhecimento externo. O meu valor só pode ser dimensionado e reconhecido por mim mesma.
Um aprendizado que também me empoderou como artista e como instrutora de ações formativas, e me guiou para construir a oficina e o Lab Curadoria de si, pelo desejo de aprender e de compartilhar aprendizado sobre processos artísticos, caminhos do autoconhecimento, da investigação dos nosso sentimentos (segundo a pesquisadora Brené Brown), e também da resiliência à vergonha.
Quanto ao hidrocor, estou mais que nunca colecionadora de hidrocores e canetas coloridas e tenho me permitido usar e abusar deles para desenhar sempre que me dá vontade. Crio para mim e também crio estampas para personalizar artigos que são confeccionados pela Estampa Pop ou pelo Colab55.
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