sábado, dezembro 04, 2021

Da escolha de não silenciar a vergonha

Conclui 2020 sendo selecionada pela primeira vez em editais de incentivo em Alagoas. Tenho o privilégio de estar entre es pareceristas credenciades para editais de incentivo em Brasília. Mas nada disso tirou o peso das rejeições que recebi como diretora de filme, fotógrafa, aluna, autora de fotolivro e parecerista em 2021. 

Por mais que possa ver com naturalidade o meu filme “Negativo” não ter sido selecionado para a 12ª Mostra Sururu de Cinema Alagoano. Ao mesmo tempo, ao ver a divulgação do resultado fui tomada pela vergonha, emocional e física.

Tive o privilégio de encontrar o livro “A Coragem de ser Imperfeito” de Brené Brown no meio deste ano, e foi assim que finalmente entendi que precisava aprender incansavelmente sobre como a vergonha nos aprisiona, e buscar desenvolver a minha resiliência a ela. O primeiro aprendizado foi de que o silêncio é o maior aliado que podemos permitir que as nossas vergonhas tenham.

Precisei e ainda preciso lidar com várias vergonhas silenciadas, e tentei evitar silenciar outras vergonhas que me visitaram este ano. Inclusive a vergonha de não saber repetir e reproduzir as palavras de Brené com segurança, e já lê-las me prometendo relê-las e ou estudá-las depois. Compartilho o trecho a seguir que copiei de “A Coragem de ser Imperfeito” sobre o que é a vergonha: “Sentir vergonha é ter medo de romper algum vínculo – medo de que algo que fizemos ou deixamos de fazer, de que um ideal que não conseguimos alcançar ou de que uma meta que deixamos de cumprir nos torne indignos de nos relacionarmos com outras pessoas (...) Vergonha é o sentimento intensamente doloroso ou a experiência de acreditar que somos defeituosos e, portanto, indignos de amor e aceitação.

Sempre fui refém do medo de romper vínculos, de uma forma muito visceral pois acreditava que valia cultivar todos os vínculos que surgiam no meu caminho. Em específico o que me traz aqui hoje são as oportunidades ou os pertencimentos que não me couberam ou me foram negados.

Por mais que eu tenha consciência do quanto sou uma pessoa privilegiada e que sou capaz de ir buscar outras oportunidades, além das que me sejam negadas, ainda preciso me trabalhar para lidar com a vergonha que me visita ao não ver o meu filme, fotografia, fotolivro, projeto ou o meu nome, entre os selecionades, selecionados, selecionadas, de uma mostra, edital, chamamento e etc. Tenho consciência também de que como mulher branca de classe média, tive e tenho acessos e oportunidades que a muitas outras pessoas são sistematicamente negados.

Antes de entender como desenvolver resiliência à vergonha, só me restava guardar a rejeição, que entendia como motivo para me sentir incapaz, de tal forma que em alguns momentos usei as negativas que recebi como desprezo e desculpa para que eu não ousasse fazer nenhuma nova submissão em qualquer forma de seleção.

Pela vivência que acumulei em curadoria, desenvolvi a compreensão de que o processo de curadoria é uma construção complexa, mesmo nas vivências que participei em que a prioridade era visibilizar mais do que invisibilizar, não foram extintas as invisibilizações e frustrações que provocadas diante da necessidade de indicar um número limitado de obras que fosse inferior ao número de submissões.

Sempre busquei não criticar e nem desmerecer publicamente as curadorias que me rejeitaram, mas confesso que houveram momentos em que posso ter criticado e desmerecido junto às pessoas que confio.

É difícil ensinar a mim mesma todos os dias, a não depender do reconhecimento do outro, que o reconhecimento que eu preciso de fato é apenas o meu. Principalmente porque vivemos numa sociedade que prioriza quem mais recebe reconhecimento, na qual seguimos nos convencendo que viver em comparação e em concorrência é inevitável. Assistimos pessoas privilegiadas mantendo os seus privilégios, e somos coniventes ou não.

A vergonha que eu devo cuidar primeiro é a minha, mas viver em sociedade e me submeter a seleções faz com que precise constantemente estar trabalhando para separar o que me é provocado pela vergonha alheia, pela rejeição ou pelos meus julgamentos de mim mesma.

Preciso aprender também como dissociar a rejeição do que produzo, da sensação de ser rejeitada, como Brené orienta: “Digamos que você tenha desenvolvido um produto, escrito um artigo ou criado uma obra de arte que deseja mostrar para um grupo de amigos. Compartilhar alguma coisa que se criou é uma parte vulnerável, mas essencial, de uma vida comprometida e plena. É o símbolo de viver com ousadia. Mas, dependendo da maneira como a pessoa foi criada ou de como se relaciona com o mundo, ela, consciente ou inconscientemente, atrela sua autoestima à maneira como seu produto ou obra é recebido pelos outros. Em outras palavras, se gostam do que ela produz, a pessoa acha que tem valor; se não gostam, ela não tem valor.  (...) Se estiver imaginando o que acontece quando você atrela sua autoestima à sua arte ou ao seu produto e as pessoas gostam muito do que você faz, deixe-me responder a partir de minha experiência pessoal e profissional: você está numa enrascada ainda maior. Tudo que a vergonha precisa para sequestrar e controlar sua vida está justamente aí. Você transferiu sua autoestima para o que as pessoas pensam. Teve sucesso algumas vezes, mas agora é totalmente dependente disso.  Munido de uma consciência da vergonha e de uma boa capacidade de lidar com ela, este cenário é completamente diferente. Você ainda quer que os outros respeitem e até admirem o que criou, mas a sua autoestima não está em jogo. Você tem consciência de que é muito mais do que uma pintura, uma ideia de vanguarda, uma boa técnica de vendas, um bom discurso ou uma boa colocação na lista dos mais vendidos. Sim, será decepcionante e difícil se os amigos e colegas de trabalho não compartilharem de seu entusiasmo ou se as coisas não caminharem bem, porém, essa decepção estará ligada ao que você faz, e não ao que você é. Independentemente do resultado, você já ousou grandemente, e isso, sim, está totalmente alinhado com o seu valor, com a pessoa que quer ser.”

Acredito que aprendi um pouco mais ao construir esta reflexão/desabafo.


sexta-feira, julho 23, 2021

Lições de cinema (perfil: Elinaldo Barros) - escrito em setembro de 2005

 Nascer na metade da década de 40 permitiu a Elinaldo Barros Soares por meio do que pode captar das décadas de 50 e 60 (fase de sua adolescência), realizar atividades sempre relacionadas à literatura, música e principalmente a sua paixão, o cinema. Como professor ou como jornalista colaborador e pesquisador Elinaldo prima por incentivar as mobilizações culturais quer através de atividades dirigidas aos seus alunos ou em meio às tantas publicações realizadas nos mais variados jornais da capital de Alagoas.

Maceioense do bairro da Ponta Grossa, Barros nasceu em 23 de dezembro de 1946, teve uma infância tranquila e saudável, iluminada pela peculiar atração que o cinema despertara nele desde muito pequeno. Seus pais não frequentavam as salas de exibição, contudo, Elinaldo costumava passar várias vezes na porta do cinema de seu bairro o Cine Lux, o maior cinema de Maceió, observava o movimento e os cartazes dos filmes em exibição incansavelmente.

Assistia aos mais variados filmes nas matinais e matinées, brincava fingindo ser os personagens que o inspiravam, narrava os filmes para os colegas, além de brincar de cinema. Catava fotogramas (partes do rolo de filme ou pedaços de sonho, para Elinaldo) desprezados pelas redondezas do Lux ou estragados, e montava com caixas de maizena uma “sala de exibição” fictícia, recontava os clássicos que o marcavam ou inventava o seu próprio filme.

Na escolha por sua profissão, ciente de que química, física e matemática não despertavam o seu interesse, Elinaldo optou pela área de humanas que naquela época centralizava apenas Direito e Letras. Descobriu, então a sua vocação por lecionar, afirma que exercia suas profissões, lecionar e escrever, desde que entrou na Universidade Federal de Alagoas em 1967, passando no concurso para ensinar no estado em 1970. Dividiu-se entre escrever para jornais, o que fazia desde 1965 onde começou com uma coluna esportiva e deslanchou como colaborador das colunas de cultura, e lecionar em colégios públicos ou privados, o que pode intensificar após graduar-se em Letras.

Justifica o seu desenvolvimento cultural e envolvimento social graças aos conhecimentos literários e cinematográficos adquiridos no contato com as grandes obras da literatura brasileira, e no contemplar das grandes produções do cinema novo, dos clássicos europeus e hollywoodianos. Dedicando-se a repassar todos esses conhecimentos durante o seu percurso como pesquisador e professor, quer ao trabalhar no Departamento de Assuntos Culturais, extinto órgão da Secretária de Educação, ao dirigir o Museu da Imagem e do Som de Alagoas (Misa), ao participar de comissões organizadoras de Festivais e eventos através do seu engajamento com a Secretaria de Cultura ou ao contribuir com resenhas culturais nos jornais, nas emissoras de televisão e na rádio Educativa por meio do programa Difusão Cultural.

Elinaldo consagrou-se como crítico de cinema, e já adicionava essa arte em suas atividades como professor. Teve oportunidade para comprovar os seus conhecimentos cinematográficos ao ser convidado para construir um projeto baseado numa obra de Benedito Ramos. Revelou-se roteirista ao adaptar e auxiliar a produção de Ramos que gerou o filme Mestre Lourenço Peixoto, pertencente à fase de realizações em Super 8, na década de 80. Contemplou os Festivais de Cinema em Penedo e refletiu essas e outras experiências ao publicar seus três livros (publicações únicas sobre o cinema maceioense): Panorama do cinema alagoano, 1983; Cine Lux - Recordações de um cinema de bairro, 1987 e Rogato – A aventura do sonho das imagens em Alagoas, 1993.

Já na década de 90, além de crítico e professor, Barros assumiu o cargo de diretor e organizador da Sessão de Arte no cinema do Shopping Iguatemi, um espaço construído com a intenção de exibir filmes que não estivessem inseridos nas cadeias comerciais, uma iniciativa inovadora para o cenário dos cinemas alagoanos. Projeto que comemorou sua primeira década de funcionamento esse ano e que já mobilizou os mais diversos públicos para frequentarem o cinema nas noites de sexta e nas manhãs de sábado.

Elinaldo Barros é um cinéfilo apaixonado pela arte de escrever e com alma de professor que por toda a sua vida aproveitou as oportunidades para desenvolver atividades e auxiliar iniciativas que exercitassem uma das ou todas as suas profissões e paixões.

Texto escrito em setembro de 2005 por Larissa Lisboa como exercício do Laboratório Integrado de Jornalismo Impresso 2, do curso de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo da Universidade Federal de Alagoas (UFAL).